Entre evocações à tradição hebraica e alusões à doutrina cristã, prossegue o ritual:
“Quando Salomão soube que Hiram não aparecera entre os seus operários, mandou todos para o trabalho e jurou não pagar salário algum se não se descobrisse Hiram, morto ou vivo. Todos os obreiros puseram-se em campo e o corpo de Hiram foi encontrado, enterrado sob um ramo de acácia”
Sim, pois que salário, que pagamento pode ser dado a uma humanidade cujo espírito está morto? Urge, primeiro que se encontre esse cadáver, e é preciso que todos sejam chamados para procurá-lo. E aqui ressurge novamente a parábola dos trabalhadores da vinha. Todos são chamados, apenas alguns serão escolhidos. Esta sabedoria iniciática está presente em todo o ensinamento de Jesus. Veja-se, por exemplo, a parábola da cizânia. Por ela Jesus ensina que os bons e os maus devem ser cultivados juntos. A eles se dá o mesmo tratamento. Mas no dia do julgamento será procedida a separação, por que então será mais fácil saber quem é bom ou mau. Aos primeiros se aproveita, aos segundos se queima. É como o pescador que lança a rede e trás tanto peixes pequenos como grandes. Os grandes são aproveitados os pequenos não.
O ritual antigo exigia que o Mestre a ser eleito entrasse na câmara, coberto por um véu vermelho. Este simbolismo deve ter sido introduzido no ritual por influência dos hermetistas, particularmente os adeptos da tradição alquímica. Segundo o magistério alquímico, não se pode promover nenhuma transmutação num metal sem primeiro aquecê-lo através do fogo. Aliás, toda a arte de Hiram, como fundidor, assim como de Tubalcain, seu Mestre, consistia em moldar, pela aplicação do calor, os metais. Assim, o fogo, a cor rubra, tem uma importante parte nessa simbologia.
O “metal” a ser aquecido é o próprio recipiendário que, como iniciado, vai sofrer a transmutação. Ele é “amolecido” no seio da Loja, expressão essa significativa do reconhecimento que o Maçom elevado ao grau deve ter dos seus defeitos e vícios, que precisam ser vencidos. Nas mãos leva o ramo de acácia, que significa a vitória sobre a “morte” psíquica que sofrerá e a prometida ressurreição. Caminha descalço, imitando os iniciados nos Mistérios de Ísis e Osíris, que adentravam assim a câmara do ritual, com o pé direito à frente do esquerdo [2]. Esta atitude ritualística evoca também Moisés quando pisou no terreno sagrado do Monte Sinai, onde Deus o convocou para a missão de libertar Israel [3].
Na liderança do cortejo vai Johaben (ou Joabe), que por dedução cabalística significa “ Filho de Deus”. Todos os nomes dos Mestres que comandam os trabalhos de Loja são deduções cabalísticas e tem um significado extraído a partir da aplicação da Cabala. Stolklin, o 2º Vigilante, é a “ Sabedoria que Sabe”, o que quer dizer que nem toda ciência é sabedoria e o verdadeiro Mestre deve saber distingui-la.
Jesus também advertiu sobre a “falsa sabedoria” quando conclamou os seus discípulos a se “guardarem do fermento dos escribas e dos fariseus”. Com esta metáfora ele queria dizer que os seus discípulos deviam tomar cuidado com as falsas doutrinas. Por outras palavras, não importa saber muito; é preciso ter saber qualitativo. E isso também diz respeito ao Maçom.
Zerbal, por transposição cabalística, significa “inteligência que cria”. Seria, na correspondência gnóstica, e também na filosofia aristotélica, a enteléquia, a força que vem de dentro do ser para dar a ele a sua conformação. Jorge Adoun o compara ao “Verbo Criador” do Evangelho de João [4].
Note-se, entretanto, que os Mestres que comandam o trabalho de eleição dos Nove Eleitos são três. Neste simbolismo está, novamente, a evocação do princípio trinitário que está na base de todas as religiões deístas, a partir do qual, segundo se crê, todas as coisas são criadas [5].
Os Mestres viajam em busca dos criminosos e os encontram encerrados em cavernas e junto a despenhadeiros. Esta alegoria é por demais reveladora para que precisemos comentá-la. Só podemos eliminar os nossos defeitos de personalidade se primeiro reconhecermos que os temos. Para isso é preciso fazer uma rigorosa auto-análise. E para fazê-la é preciso descer ao fundo de nós mesmos, nas cavernas do nosso subconsciente, e enfrentar os abismos que lá existem, e nos quais muitas vezes nos lançamos. Se o fizermos, os nossos “assassinos”, como fantasmas expulsos pela súbita iluminação do ambiente, saltarão para o nada de onde vieram para obscurecer a luz do nosso entendimento e prejudicar a ascensão do nosso espírito.